O
artigo 5º da Constituição Federal estabelece o que se convencionou
a chamar de direito de ir e vir de todos os cidadãos brasileiros. Ou
seja, qualquer pessoa, livre ou não de deficiência ou mobilidade
reduzida, deve ter o direito de poder chegar facilmente a qualquer
lugar. A liberdade a que me refiro neste caso, é aquela que
possibilitaria com que caminhássemos pelos passeios públicos sem
nos deparar com desníveis, buracos, inexistência de ligação entre
ruas e calçadas, rampas fora dos padrões, lixeiras, pontos de
ônibus, bancas de jornais, bueiros destampados, ambulantes e pisos
escorregadios. Utopia ou não, o fato é que esses casos são ainda
muito comuns nas mais diferentes cidades do Brasil. Nos países
desenvolvidos a legislação de trânsito prioriza o pedestre
facilitando sua travessia e forçando a redução da velocidade dos
carros. No Brasil ocorre o contrário. O privilégio concedido aos
automóveis chega a criar barreiras intransponíveis para quem está
a pé. Da mesma forma, nossos passeios públicos deveriam facilitar a
circulação dos pedestres e possibilitar com que as pessoas com
deficiência e seus familiares encontrassem menos ou nenhuma
dificuldade para chegar até atendimentos de saúde, cinemas,
igrejas, estabelecimentos comerciais, parques públicos, shows
artísticos. Locais comuns e que devem ser frequentados por qualquer
pessoa, mesmo aquelas sem condições ou com dificuldades de
locomoção. Os passeios sem qualidade e os locais inacessíveis
inibem a circulação dessas pessoas, levando-as ao isolamento,
forçando-as a se concentrarem em espaços fechados e impedindo-as de
sociabilizarem-se. As calçadas são os ambientes mais democráticos
que existem, já que impulsionam as atividades econômicas. Por meio
delas chegamos ao trabalho, ao comércio, aos clubes, aos shoppings.
A grande questão é que esses espaços, conforme determinam as leis,
são de responsabilidade do proprietário do imóvel e talvez por
isso nos deparamos com as mais diferentes situações: pisos
inadequados, degraus, raízes de árvores, enfim, passeios
deteriorados e, o mais grave, inacessíveis. Dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000, apontam que
mais de 14% dos brasileiros convivem com algum tipo de deficiência
definitiva. Esse dado pode aumentar significativamente, se incluirmos
aí os idosos, os obesos ou os deficientes temporários, como aqueles
que estão com algum membro imobilizado, assim como os milhares que
se acidentam diariamente no trânsito de nossas cidades. Um estudo do
Hospital das Clínicas de São Paulo revelou que idosos e mulheres
com sapato de salto alto são as duas vítimas mais comuns de
acidades nas calçadas. Os Ministérios Públicos e uma parcela
significativa das prefeituras municipais têm feito cumprir as
legislações que prevêem que prédios de uso público e coletivo
possibilitem acesso a todas as pessoas. Mas, de que adianta ter, por
exemplo, um banco com rampas e elevadores acessíveis, se as
calçadas, que são a principal forma de acesso a esses locais e aos
meios de transportes, são inacessíveis? A calçada acessível deve
atender aos critérios contidos na NBR 9050/2004, da Associação
Brasileira de Normas Técnicas. Os Conselhos Regionais de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia (Creas), instituições que fiscalizam o
exercício ilegal dessas profissões, há vários anos têm executado
ações fiscalizatórias em parceria com os Ministérios Públicos
Estaduais. Essas iniciativas, inclusive culminaram em ações
práticas direcionadas a toda a população, como o Guia Prático para a Construção de Calçadas, elaborado pelo Crea de Mato Grosso
do Sul, com o apoio de instituições públicas e privadas. De forma
prática e, gratuitamente, o guia chega a todas as classes sociais
levando informações atualizadas sobre legislações, pisos
adequados, rebaixamento de guias, instalação de mobiliários
urbanos e até mesmo as espécies de árvores ideais para esse fim.
Enquanto nos couber a obrigatoriedade de construir e reformar nossas
calçadas ou enquanto os poderes públicos não colaborarem
executando os passeios, assim como se faz com a pavimentação
asfáltica, não cometeremos erros alegando ignorância, já que
temos à mão mecanismos gratuitos para que respeitemos nosso
semelhante. A questão merece realmente muita atenção. Falamos das
cidades que deixaremos para as próximas gerações. As soluções já
nos bateram à porta. A construção de ambientes acessíveis deve
ser cadeira obrigatória nos cursos de engenharia e arquitetura. Os
órgãos públicos devem fazer cumprir a legislação e,
principalmente, os engenheiros e arquitetos são os responsáveis
pelos ambientes construídos. Muito nos cabe e já é chegada a hora
de se caminhar olhando para o horizonte e não para baixo, desviando
dos obstáculos do caminho.
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